Wednesday, September 15, 2010

Descontrução/Solidão

Hoje pude ler no blogue http://euabracavatueoholandes/ (gosto imenso), um texto magnífico sobre desconstrução e solidão. Como são dois assuntos que me interessam e porque já os vivenciei, fiquei bastante inspirada e eis-me aqui a divagar e qui ça a chegar a conclusões que me conduzam a um caminho de cores e magia.
Acho que a descontrução de nós mesmos e a solidão estão interligadas. E arrisco-me a dizer que a solidão tem também os seus momentos desconstrutivos no sentido em que tiramos as vestes do dia-a-dia para analisarmos sobre determinado assunto.
Tenho a impressão que a primeira vez que fiz a minha primeira desconstrução foi aqui em Angola. A mudança é sempre um factor de estímulo para este exercício. Mas como dizia, cheguei a um país estranho - sim, eu sei que nasci aqui mas é só isso - povoado por gente estranha com hábitos e mentalidade diferente daquela a que estava habituada. Cheguei pensando que seria fácil fazer amigos e que talvez quem sabe, encontrasse o amor que me fugia tantas e tantas vezes em Lisboa. Mas o choque foi brutal e a adaptação vagarosa. A combinação das duas conduziu-me à solidão e consequentemente às saudades diárias e chorosas em relação aos bons amigos que deixara em Lisboa.
Para adaptar-me sem muito choro, tive de rever muita coisa e de soltar algumas raízes que me prendiam e prendem a Portugal. Estive enfiada dentro de um casulo morno para proteger-me do que via, ouvia e sentia. Esse estado durou um ano. No segundo ano de cá estar, percebi que tinha de sair devagarinho para acompanhar a vida que girava à minha volta e foi assim que fui perdendo ideias pré-concebidas e absorvendo o que me interessava.
Ainda tenho uma asa dentro do casulo e mantenho ideias muito próprias, recusando-me a ceder a um sistema que diz que é normal roubar dinheiro à empresa ou que os homens podem ter uma ou mais mulheres. E recuso-me a aceitar passivamente a futilidade dos jovens da minha geração, a prostituição velada de mulheres de família ou a falta de civismo que me incomoda profundamente.
Tive de passar pelo processo de desconstrução, mutação e absorção de um novo ambiente para sobreviver, para manter-me relativamente sã sem descurar a bagagem emocional que trazia de Portugal. Fi-lo sozinha claro e foi doloroso no sentido em que despi-me a tal ponto que uma nova Clara apareceu. E é por vezes esta Clara que assusta os amigos lisboetas porque não a conhecem. Claro. E ao estar com eles, volto a renovar-me e a buscar em mim a antiga Clara, sabendo eu e eles que essa existe apenas em fragmentos. Em fragmentos de memórias e acções que renascem por estar de volta ao meu ambiente natural.
A desconstrução e a solidão são ferramentas essenciais de auto-conhecimento, de validação. Indicam-nos o caminho para onde levamos a existência. Quanto à solidão...bem...é minha companheira de muitas e muitas horas. E já não encaro a solidão com negatividade. Dependendo da forma como a encaramos, a solidão é crucial para o nosso desenvolvimento pessoal uma vez que nos permite o raciocínio em sossego. Acho que uma pessoa tem de ser forte o suficiente para lidar com a solidão positivamente, no sentido em que sabe que está em sua própria companhia sem que isso seja necessariamente mau.
Quando estava em Portugal, tinha pavor da solidão. O que eu mais queria era estar na companhia de alguém, fosse numa sala de cinema, a beber um café ou a passear. Estar sozinha fazia-me pensar em seres solitários e amargos. Como os idosos que metiam conversa comigo nas paragens de autocarro. Ao vir para cá, consegui entender a solidão. Vivo bem com a minha solidão e ao contrário do que alguns pensam, não sou solitária. Sou independente. Independente demais.
Este texto ficou mais comprido do que pretendia e não abordei alguns pontos. Para não maçar os meus bravos leitores, fico-me por aqui, certa de este tema ainda pode dar muito pano para mangas.

Beauté


Ignorâncias à parte

Chegada ao Galeão (aeroporto no RJ), estafada depois de regressar do Chile. Dirijo-me ao balcão da imigração. A ser atendido à minha frente estava um falante da língua inglesa. As costas dóiam-me porque tinha na mochila o computador e um livro. Chega a minha vez. O homem que me atendeu parecia novato nas lides de confirmação de vistos e reconhecimento de fotografias. Vem uma colega para socorrê-lo e apressar a minha saída do aeroporto. Ela olha para o meu passaporte angolano. Se o passaporte é angolano significa que sou de Angola. E se sou de Angola falo português. A dita cuja olha para mim e diz-me num sotaque horroroso: "Good morning, where are you coming from?". Olhei para ela com ar de espanto, especialmente depois de a ter visto mirar com atenção o documento que me permite viajar sempre que quero. Contra-interroguei: "Porque é que está a falar comigo em inglês? Eu falo português!". Ela tornou a olhar para o meu passaporte - sim, vinha lá escrito República Popular de Angola - e deu-me uma resposta bastante inteligente: "Ah é que nunca se sabe."
Diante disto, não existiam argumentos que me valessem.

Tuesday, September 14, 2010

Na prateleira

Ontem ao deitar-me, olhei para a minha mesinha-de-cabeceira improvisada e dei conta que ao lado do computador se encontravam, como que abandonados, alguns livros à espera de leitura. Já leio um deles a passo de caracol e surpreendo-me por assim ser visto que se trata de "O amor em tempos de cólera" do Gabriel G. Marquéz que é um dos meus escritores favoritos. O livro é um clássico sim, mas por algum motivo, o mundo sonhado por Marquéz não me arrastou para outros mundos ao meu alcance, não me conduziu a nenhuma aventura de descoberta e para ser franca...bem...acho o livro um tanto aborrecido. É a primeira vez que me aborreço com um livro da sua autoria mas o que fazer? Em compensação, sou capaz de oferecer o meu reino pela compra de "Cem anos de solidão", apenas para reler sempre que der na gana e para ter o tesouro à mão de semear.
Tenho para ler "De profundis" de Oscar Wilde, "A conspiração contra a América" (não me lembro do nome do autor), "O amor é fodido" de Miguel Esteves Cardoso, "A revolução francesa vol. 2" - porque vejam lá, em plena livraria no centro do Recife vi o livro e decidi comprá-lo e já agora comprar o vol.1 porque há que dar um sentido às coisas, mas como não havia tive de levar a "sequela" assim mesmo - e acabar de ler "O livro negro da condição das mulheres" de Christine Ockrent que repousa há um ano e meio longe dos meus olhos ávidos. E mais dois ou três livros que me foram oferecidos por um belo amigo, funcionário de uma livraria lá na PT.
Lembro-me que a última vez que lá estive, percorremos as estações de metro e pequenas livrarias que tinham mini feiras do livro, em busca de livros interessantes e a preço da chuva. Diante da minha queda para os autores do costume, o M. deu-me um raspanete dizendo-me que estava na altura de ser mais culta e ousada. Que ele me desse um raspanete por ser pouco ousada tudo bem, mas pouco culta? Barfe. Passada a minha indignação inicial pus-me a pensar e que raios, o gajo estava certo. Acontece-me o mesmo com a música. Giro sempre em torno do mesmo e até quebrar a resistência ao novo, levo algum tempo. De maneira que quando voltar à pátria, tenciono mergulhar no palavreado de autores desconhecidos e paralelamente comprar alguns clássicos. É evidente que os clássicos não passarão por obras de Saramago e Kafka porque sinceramente...huh...nada a ver comigo.
Ah mas esperem lá. Isto tudo para dizer que a televisão por cabo com os seus canais da Fox, AXN, TVC e respectivas séries levam-me à loucura. Acresente-se a internet que se entranha em mim qual possessão merecedora de exorcismo de preferência feito por algum iluminado. Resultado: amo os livros mas deixo-os à mercê do pó. É triste mas é mais fácil atirar-me para o sofá e anestesiar a mente com personagens a cores e histórias de médicos tarados e bonzões do que ficar em sossego a ler. Suponho que é o preço a pagar por viver na era high tech.

Never mind the rain...


Monday, September 13, 2010

Brasil

Volto ao blogue para escrever sobre as minhas poucas viagens pelo mundo e quero começar pelo Brasil. Primeiro porque revi uma grande amiga brasileira que conheci em Portugal, depois porque conheci gente maravilhosa originária deste país e por fim mas não menos importante, achei o Brasil um país lindíssimo e as pessoas bastante afáveis.
Tive a sorte, ou por outra, escolhi aterrar no Rio de Janeiro em vez de São Paulo por questões práticas e foi o melhor que fiz. Os primeiros dias que passei lá (antes de embarcar para o Chile) foram uma coisa surreal! As panorâmica da cidade é de cortar o fôlego...aquele mar, aquele céu azul, a comida, a vista panorâmica do Morro da Urca, o encontro com um colega e agora amigo do Global Voices, o reencontro com o meu amigo Pedro que anda a viajar pelo mundo e a hospitalidade das pessoas são aspectos que não posso esquecer.
Quando aterrei no Galeão, tinha o Diego e a família dele à minha espera. Super simpáticos, convidaram-me a ficar em casa deles durante os três dias. Deram-me dormida, comida e atenção. Diziam-me sempre, "a nossa casa é como coração de mãe, cabe sempre mais um."
Foi o Diego, baiano de gema, que me apresentou ao Rio. Por estar de passagem no RJ, ele não conhecia assim tão bem a cidade, mas isso não o impediu de me levar a passear, de passar os dias inteiros com esta que vos escreve. Ora sorrindo, cantando ou arfando comigo devido às altas temperaturas.
Bebi água de côco (é assim que se escreve, senhores?) no calçadão. Abracei a estátua de Drummond de Andrade como se estivesse viva, comprei havaianas porque os all-star davam-me escaldões de tanto andar e curti. Curti e aproveitei como se o dia fosse terminar no dia seguinte.
Passados os três dias, eu e Diego fomos para o Chile. Ele estava super entusiasmado e eu também claro, mas eu já estava em clima de férias há mais de um mês, além de não estar particularmente excitada por ter de apanhar dois aviões para chegar a Santiago. A minha estadia no Chile ficará para outra altura pois não quero fazer aqui um testamento de duas páginas.
Uma semana depois de regresso ao Brasil, passei mais um dia no RJ e agastada com o número de aviões que já tinha apanhado no espaço de semana e meia, decidi ir para Recife de camioneta (ônibus). No Recife ou Hellcife como diz um amigo meu natural daquela cidade, reencontrei a Isabella. Amiga de há alguns anos que vivera em Lisboa durante alguns anos e que regressara ao Brasil por um amor "made online".
A viagem por terra durou quase três dias e graças a esta minha decisão pude ver o Brasil de perto e constatar o que já sabia..que o Brasil é de facto um país lindo de morrer! Foi uma viagem solitária mas enriquecedora eu diria. E ao contrário da minha natureza, não tive problemas em almoçar sozinha nas paragens que fazíamos e em circular na minha própria companhia.
Mas como dizia, fiz Rio de Janeiro/S. Salvador da Bahia. À hora que fui comprar o bilhete não havia ligações directas para o Recife mas não me importei. Estava com espírito de viajante e contava chegar à Bahia, comprar o bilhete para Recife e seguir viagem no mesmo dia. Mas o deus dos navegantes devia estar a olhar por mim e vendo-me impossibilitada de seguir viagem nessa mesma noite (em que cheguei à Bahia) porque a camioneta já tinha zarpado, vi-me obrigada a comprar bilhete para o dia seguinte.
Chegar à noite a um destino desconhecido e sem ninguém à espera é complicado. Sendo mulher e estrangeira pior ainda. Felizmente, o meu anjo-da-guarda olhava por mim e a ajuda veio sob a forma do motorista da camioneta que me levara para SSB. Ele chamou um carregador de malas e disse-lhe para me levar ao hotel-do-qual-já-não-me-recordo-o-nome. O dito hotel ficava a cinco minutos a pé da estação rodoviária e desconfiada como sempre, fixei ao máximo as características do meu carregador, não fosse o diabo tecê-las. Só baixei a guarda quando ele mostrou-me o crachá que trazia ao peito com a identificação.
Bom, chegada ao hotel, atirei-me para a cama, acendi o televisor, tomei banho, comi e desmaiei de cansaço. No dia seguinte, após checar emails e garantir o meu bem-estar aos amigos brasileiros que me chamaram de doida por me enfiar nessas estradas de meu Deus (parece que as estradas brasileiras são do pior...totalmente inseguras...mas eu venho de Portugal e Angola onde as estradas podem ser igualmente consideradas merdosas), segui finalmente rumo ao Recife onde a Isabella me aguardava de braços abertos.
Não gostei do Recife de jeito nenhum!!!! Para começar, o calor é de cortar à faca e como bem sabem, odeio o calor! Depois, pouco ou nada fazia porque a Isabella passava os dias na faculdade e no trabalho. E finalmente, achei a cidade feia para burro. O que me salvou foram os nossos passeios a Olinda e Porto de Galinhas. Oh que sítios maravilhosos. Ideiais para umas férias de sonho ou lua-de-mel de sonho!!
Depois de duas semanas e poucos dias no Recife, voltei ao Rio de Janeiro a pedido de uma boa amiga do Global Voices e também porque estava a dar em doida na pasmaceira que é o Recife (sim, eu sei que é uma cidade super cultural, mas o provincianismo dos recifenses é assustador).
Mas voltando à vaca fria..voltei ao Rio, desta vez de avião, onde viajei com a Elba-cada-vez-mais-velha-e-esquisita-Ramalho, onde passei os meus últimos quatro dias antes de regressar a esta terra poeirenta conhecida como Angola. Fiquei na Urca em casa da Debs, onde claro, fui super bem recebida por ela, a mãe e o gato a quem só pus a vista em cima, três dias depois. Ela levou-me a passear pela Urca, pelo calçadão, fomos a um boteco onde se ouvia samba ao vivo e cujo dono recebia frequentemente clientes angolanos, fui a restaurantes de boa comida e enchi a alma de alegria e prazer.
E foi assim a minha passagem por esse belo Brasil. Senti-me parcialmente em casa. Fui bem recebida e fiz boas amizades. Espero um dia puder voltar...

Regresso

Bom, graças ao comentário da Lu, resolvi manter o blogue e comprometi-me a actualizar este espaço com mais frequência. Os motivos para a minha ausência devem-se essencialmente ao uso exagerado que faço do facebook, à falta de inspiração e aos poucos visitantes que aparentemente recebo por aqui. Embora confesse que quando decidi criar o blogue estivesse a pensar exclusivamente em mim e não em quem pudesse dar de caras com este meu Voo Nocturno.
Explicações à parte eis-me de volta! Obrigada Lu e Luciano.