Na semana passada viajei até ao Waco Cungo a trabalho. É nesta província que está localizado o "lado prático" da companhia onde trabalho. Fui lá recolher informações e falar com algumas pessoas. Tive a sorte de falar com uma colega que faz parte da área social. É uma mulher dinâmica, inteligente, sensível, guerreira e com imensa experiência de vida. Além disso, nota-se que gosta do que faz, porque vive e sofre com a vida das mulheres que ela acompanha diariamente.
O meu trabalho com ela era muito específico, mas à medida que íamos falando, percebi que esta mulher tinha histórias interessantes para partilhar e às tantas decidi alterar o rumo da entrevista e focar-me no trabalho que ela desenvolve ali no Waco.
O trabalho que Glória leva a cabo, envolve unicamente mulheres e crianças. O desempenho das suas funções tem-lhe trazido alegrias, tristezas, frustrações e vitórias. Glória contou-me histórias de arrepiar, como a da mulher que ficou com o rosto amassado depois que o marido, estupidificado pelo vinho, arrastou-a pelos pés e rodou com ela num monte de brita.
Ou da rapariga incapaz de sorrir que todos os dias ia ter com Glória para deixarem-na ir embora da comunidade. Dizia que ou deixavam-na partir ou suicidava-se. Glória perguntava à rapariga porque desejava tanto ir-se embora e se o marido a tratava mal. A rapariga incapaz de sorrir, dizia que estava cansada do Waco e que o marido a tratava bem. Glória não teve outra solução, senão deixá-la partir. A rapariga foi-se embora e o marido sorridente e cheio de si, ficou.
Glória não consegue até hoje, aceitar a partida da rapariga que não consegue sorrir. Mas Glória está apenas à espera de uma oportunidade, que há-de aparecer e quando isso acontecer, vai expulsar o marido ameaçador, daquela comunidade.
A ultima história que ouvi era recente. Um dos homens da comunidade morreu. Não se sabe de quê. Sabe-se apenas que expelia sangue da boca e que morreu no hospital, depois de quase ter partido para a outra vida, sozinho, em casa. A mulher ficou desvairada e com vários filhos nos braços. Os parentes chegaram vindos de longe e trataram de surripiar os bens do casal, antes mesmo do homem ter falecido. Chegaram escudados pela ignorância e ambição a que chamam de tradição e sem meias medidas levaram a televisão, a roupa, os documentos, o cartão do banco do homem, o dinheiro e outras coisas mais.
Glória soube e sem contemplações obrigou-os a devolver tudo, senão chamava a polícia e o assunto resolvia-se atrás das grades. Os familiares insistiam na tradição e Glória insistia na polícia. Tentava proteger a mulher e os filhos do finado, que por pertencerem à nossa empresa, tinham um escudo bem mais forte do que a dita tradição. Os familiares devolveram os pertences e voltaram para o buraco de onde saíram.
E enquanto se desenrolavam estes episódios, a viúva continuava desvairada e era obrigada a cumprir uma outra tradição: a de dormir abraçada e com os lábios colados à boca do marido morto...
3 comments:
Pois Clara, as tradições, as culturas e hábitos ancestrais sempre foram motivos de conflitos! Em sociedades modernas é essa uma das lutas que devemos travar, sem colidir frontalmente com as convicções dos outros, podemos pelo menos tentar travar o obscurantismo...e as histórias que relatas provam isso mesmo. A Glória agiu com sabedoria e firmeza!E tu estás viva nas tuas sensibilidades ao saberes escutar tais situações!
Até mais,
Jorge madureira
Olá Jorge,
existem muitas tradições angolanas que eu não consigo assimilar e aceitar. Mas não só angolanas..existem inúmeras tradições por este mundo fora que estão de facto revestidas pelo obscurantismo. Meu Deus, a ignorância é um terrível!
Abraços
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