Hoje pude ler no blogue http://euabracavatueoholandes/ (gosto imenso), um texto magnífico sobre desconstrução e solidão. Como são dois assuntos que me interessam e porque já os vivenciei, fiquei bastante inspirada e eis-me aqui a divagar e qui ça a chegar a conclusões que me conduzam a um caminho de cores e magia.
Acho que a descontrução de nós mesmos e a solidão estão interligadas. E arrisco-me a dizer que a solidão tem também os seus momentos desconstrutivos no sentido em que tiramos as vestes do dia-a-dia para analisarmos sobre determinado assunto.
Tenho a impressão que a primeira vez que fiz a minha primeira desconstrução foi aqui em Angola. A mudança é sempre um factor de estímulo para este exercício. Mas como dizia, cheguei a um país estranho - sim, eu sei que nasci aqui mas é só isso - povoado por gente estranha com hábitos e mentalidade diferente daquela a que estava habituada. Cheguei pensando que seria fácil fazer amigos e que talvez quem sabe, encontrasse o amor que me fugia tantas e tantas vezes em Lisboa. Mas o choque foi brutal e a adaptação vagarosa. A combinação das duas conduziu-me à solidão e consequentemente às saudades diárias e chorosas em relação aos bons amigos que deixara em Lisboa.
Para adaptar-me sem muito choro, tive de rever muita coisa e de soltar algumas raízes que me prendiam e prendem a Portugal. Estive enfiada dentro de um casulo morno para proteger-me do que via, ouvia e sentia. Esse estado durou um ano. No segundo ano de cá estar, percebi que tinha de sair devagarinho para acompanhar a vida que girava à minha volta e foi assim que fui perdendo ideias pré-concebidas e absorvendo o que me interessava.
Ainda tenho uma asa dentro do casulo e mantenho ideias muito próprias, recusando-me a ceder a um sistema que diz que é normal roubar dinheiro à empresa ou que os homens podem ter uma ou mais mulheres. E recuso-me a aceitar passivamente a futilidade dos jovens da minha geração, a prostituição velada de mulheres de família ou a falta de civismo que me incomoda profundamente.
Tive de passar pelo processo de desconstrução, mutação e absorção de um novo ambiente para sobreviver, para manter-me relativamente sã sem descurar a bagagem emocional que trazia de Portugal. Fi-lo sozinha claro e foi doloroso no sentido em que despi-me a tal ponto que uma nova Clara apareceu. E é por vezes esta Clara que assusta os amigos lisboetas porque não a conhecem. Claro. E ao estar com eles, volto a renovar-me e a buscar em mim a antiga Clara, sabendo eu e eles que essa existe apenas em fragmentos. Em fragmentos de memórias e acções que renascem por estar de volta ao meu ambiente natural.
A desconstrução e a solidão são ferramentas essenciais de auto-conhecimento, de validação. Indicam-nos o caminho para onde levamos a existência. Quanto à solidão...bem...é minha companheira de muitas e muitas horas. E já não encaro a solidão com negatividade. Dependendo da forma como a encaramos, a solidão é crucial para o nosso desenvolvimento pessoal uma vez que nos permite o raciocínio em sossego. Acho que uma pessoa tem de ser forte o suficiente para lidar com a solidão positivamente, no sentido em que sabe que está em sua própria companhia sem que isso seja necessariamente mau.
Quando estava em Portugal, tinha pavor da solidão. O que eu mais queria era estar na companhia de alguém, fosse numa sala de cinema, a beber um café ou a passear. Estar sozinha fazia-me pensar em seres solitários e amargos. Como os idosos que metiam conversa comigo nas paragens de autocarro. Ao vir para cá, consegui entender a solidão. Vivo bem com a minha solidão e ao contrário do que alguns pensam, não sou solitária. Sou independente. Independente demais.
Este texto ficou mais comprido do que pretendia e não abordei alguns pontos. Para não maçar os meus bravos leitores, fico-me por aqui, certa de este tema ainda pode dar muito pano para mangas.