Thursday, May 14, 2009

Desassombro

Caminhaste pelo deserto durante anos e nem sabias que era lá que estavas. De vez em quando avistavas oásis rodeados por palmeiras e riachos de água tépida. O sol queimava-te a pele e nem davas por isso. Tinhas a alma em carne viva e estavas imune à dor. A ferida por fechar dentro do peito tardava a cicatrizar e era nela que te concentravas. Á noite procuravas o sentido da vida e não atendias o telefone. Chamavam-te para dançar e conversar mas escapulias-te para dentro de ti. O contacto com o exterior feria-te e andaste assim muitos anos. Anos de alienação. Dias e horas a navegar no lodo de águas bolorentas e estagnadas.
E um dia a luz entrou. Não sabes bem por onde, mas a luz entrou. Deste por terminada essa longa caminhada pelo deserto e afastaste os pássaros negros com quem fizeste amizade. Foste atrás da luz, porque achaste que a luz tinha vindo à tua procura. Perseguiste-a e tentaste torná-la tua. Como se a pudesses armazenar numa caixa de madeira. Reteste uma réstia de luz e engoliste-a. E sem dares por isso, a magia da vida renovava-se diante dos teus olhos. Caminhaste de mãos dadas com a luz. Tornaram-se parceiras, confidentes durante a hora da sombra. E voltaste a rir e a acreditar.
Mas a luz parece estar a apagar-se e não sabes como alimentar a chama. Corres atrás do que resta. Corres até os ossos darem de si. Até deixares de respirar. Não queres voltar para o deserto. Preferes manter a fé, mesmo que a fé te escorra pelos dedos. E assim estirada, cansada de luzes que não se mantêm na tua vida, olhas para trás. É com desassombro que te sentes tentada a embarcar na escuridão. Optas pelo limbo. E ficas em silêncio porque não sabes o que fazer...

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