Wednesday, June 18, 2008

A gente não lê

"Ai senhor das furnas
Que escuro vai dentro de nós
Rezar o terço ao fim da tarde
Só para espantar a solidão
E rogar a deus que nos guarde
Confiar-lhe o destino na mão

Que adianta saber as marés
Os frutos e as sementeiras
Tratar por tu os ofícios
Entender o suão e os animais
Falar o dialecto da terra
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais

E do resto entender mal
Soletrar assinar em cruz
Não ver os vultos furtivos
Que nos tramam por trás da luz

Ai senhor das furnas
Que escuro vai dentro de nós
A gente morre logo ao nascer
Com olhos rasos de lezíria
De boca em boca passando o saber
Com os provérbios que ficam na gíria

De que nos vale esta pureza
Sem ler fica-se pederneira
Agita-se a solidão cá no fundo
Fica-se sentado à soleira
A ouvir os ruídos do mundo
E entende-los à nossa maneira
Carregar a superstição
De ser pequeno ser ninguém
E não quebrar a tradicao
Que dos nossos avós ja vem"

Rui Veloso

No comments: